sexta-feira, 10 de maio de 2013

Nono dia – 14 de abril de 2013 (Zampa)






Nono dia – 14 de abril de 2013 (Zampa)

Começamos o dia com a notícia do assassinato ocorrido na noite anterior e relatado acima e com um pedido de carona formulado não pelos interessados mas, pelo João. Os dois, pai e filho, tem um oficina de reparação de motores e bombas e estavam indo para uma cidadezinha nos confins de Santa Catarina – terra do pai – para participarem de uma reunião familiar por ocasião dos 50 anos de casamento dos pais! A carona se justificava pois, pelo lado rondoniense a viagem era mais fácil, porém a linha de ônibus entre Colniza e Machadinho do Oeste estava interrompida desde meados de dezembro de 2012! Chegando a Rondônia eles iriam até Ji-Paraná, onde pegariam um vôo cheio de escalas e mais não sei quantas ligações de ônibus para chegarem ao destino. Isso é que era aventura. O pai seguiu comigo e Lucas, na XTerra e o filho com Newton, na L200. O pai ia contando estórias sobre este ou aquele morador pelos caminhos que íamos passando. Conhecia quase todos os pontos e pessoas, já que fazia manutenção nos motores espalhados pelas fazendas da região. Contou também que já circulara por várias cidades de Rondônia; que trabalhara em garimpos de cassiterita (http://cultura-beiradeira-ro.blogspot.com.br/2008/03/uma-perspectiva-histrica-e-ambiental.html) onde enriquecera e depois “quebrara”: investira em terras sem titulação – como a maioria delas – que depois foram invadidas, ima gine vocês,  por uma comunidade evangélica! De permeio o fim do casamento – sobre o qual não falou muito - tendo os filhos, então muito novos, ficado com ele.

 Nosso destino passaria por Machadinho do Oeste e a depender da estrada seguiríamos para Ariquemes e talvez até a fazendinha no meio do nada, entre Ariquemes e Monte Negro, onde mora meu pai. A conversa solta e fácil ajudava a passar o tempo. O caminho se sucedia sem grandes percalços. Cruzamos rios caudalosos, um deles, chamado “Água Branca” foi o que fez nossa adrenalina aumentar. Sobre a ponte quase nenhuma água mas ao final dela, cerca de 0,80cm cobria a estrada. Newton, que ia à frente, foi o primeiro a ter a surpresa: sob a água, grandes buracos certamente feitos por carretas, fizeram a L200 afundar sucessivamente a frente à direita e a seguir à esquerda, num movimento que dificultou a passagem. Aos lados a água do rio oferecia forte correnteza. A seguir fui eu, com a XTerra. Mesmos movimentos, mas sem surpresas. A água cobriu o capô, a força do movimento arrancou do parachoque a placa da XT,  que flutuou e só não foi levada embora pois se aninhou entre a antena, o parabrisa e o snorkel. Passado o desafio, ao pegar a placa, surpreendentemente lá estavam também os dois parafusos que a fixam! Até nosso caronista, homem experiente naqueles caminhos, se surpreendeu com a fundura dos buracos. A situação tirou a concentração do Lucas de maneira que nem mesmo conseguiu tirar uma única foto! 

Duas horas e meia de estrada depois de termos saído de Guariba, uma outra surpresa: um bioma completamente diferente daquele que vínhamos cortando. A floresta densa, exuberante, com árvores gigantescas e solo de terra vermelha coberto por camadas de folhas em decomposição, cedeu lugar a uma área aberta, terreno arenoso, arbustos pequenos, lagoinhas em meio à areia branquinha. Não deixava de lembrar certos caminhos do litoral brasileiro. Na verdade, se visse as fotos, sem o contexto, diria sem hesitar que eram do litoral. Não sendo geólogo especulo que ali deveria ter sido o leito de grandes áreas inundáveis de algum rio antigo


  Passada aquela área, a  mata voltou a imperar e a estrada, plana, passou a ter grandes possas de lama, mais amarela que vermelha (2577). Na verdade o grande Rio Roosevelt, não estava muito distante. Esse rio recebeu tal nome após uma grande expedição em que participou o ex-presidente norte-americano (http://pt.wikipedia.org/wiki/Rio_Roosevelt).

Umas três construções, sendo duas delas bares, anunciavam que havíamos chegado a mais uma travessia por balsa. Ao lado de um dos bares, uma torre de telefonia e um orelhão, mantidos por uma placa solar. Enquanto esperávamos a balsa tentei, em vão, telefonar para meus familiares em Rondônia para alertá-los de nosso grande atraso. Era um gerador que garantia a refrigeração e o funcionamento da TV.

Logo abaixo da travessia começam as famosas e temidas corredeiras e cachoeiras do rio, razão pela qual a balsa é amparada por um cabo de aço. Não fosse assim a qualquer pane no motor, seria arrastada para um fim sem volta.(2605)
A topografia do outro lado do rio, seguia  anterior e não tardou para que voltássemos a nos deparar com aquele bioma especifico e tal raridade em meio à floresta amazônica não podia deixar de chamar a atenção dos biólogos: uma placa anunciava que estávamos atravessando uma estação ecológica, caracterizada por espécies bem distintas daquelas que vínhamos observando.

 Grandes lajes de pedras, cortadas por aguinhas cristalinas me faziam lembrar as Chapadas, dos Guimarães e Diamantina. As grandes toras, ocas umas, que serviam para a travessia de água, ou troncos a servir de pontes arrancadas, mostravam que tais singelos “corguinhos” podiam se tornar furiosos, ao sabor das chuvas.



 Tivemos que passar por dentro de alguns e arriscarmos a travessia sobre dois troncos que haviam sido deslocados pela força das águas de um aparentemente dócil riozinho. Essa última operação exigiu algumas providências: arranjamos pranchas, troncos e até mesmo pneus velhos que providencialmente se encontravam por ali para diminuir o vão na saída pois, além da entrada e saída serem em curva, os troncos pelos quais tínhamos que passar não estavam mais paralelos. A situação só não estava pior porque a retro-escavadeira que seguia sobre uma carreta, com a qual havíamos cruzado uns quilômetros atrás, havia descido e arranjado um pouco o aterro para que eles próprios pudessem passar.


A partir dali foi uma sucessão de pontes pequenas e uma ou outra grande, reconstruídas ao lado das velhas, destruídas pela força dos rios. E a estrada se fazia cada vez mais estreita. Rodados 142km cruzamos, sobre uma ponte reconstruída, o Rio Madeirinha, e 05 km depois fica a entrada da “Rodovia do Estanho”, nome pomposo demais para a estradinha que leva à Transamazônica, poucos quilômetros de Santo Antonio do Matupi. Vamos passar por lá, mas seguindo outro roteiro. Lá pelas 14:00hs finalmente chegamos a um lugarejo anteriormente conhecido como Guatá, hoje Três Fronteiras, a 156 km, e 07:30 hs. de estrada de Guariba.
 
 O lugar tem um nome impróprio pois não faz fronteira com nenhum país e sim divisas, entre MT/RO/AM. Como em quase todas as cidadezinhas da região, seus moradores tem esperança de que em um futuro não muito distante a cidade vá crescer muito, razão pela qual a avenida principal (também é a rodovia) é bastante larga e, vista com os olhos de hoje, desproporcional ao movimento de pessoas e veículos. As casas encontram-se esparsas; nos únicos restaurante e posto, um de cada lado da avenida, almoçamos e abastecemos com diesel mais barato do que em Colniza.

Na parede do restaurante um cartaz promovia um tipo de excursão comum em áreas de fronteiras: compras e tratamento médico. Mas, não estando próximo à fronteira a Colnizatur propunha levar passageiros até Guajará-Mirim, esta sim na fronteira com a Bolívia, num percurso quase em U invertido, de cerca de 1.500km ida e volta!  O que leva pessoas às compras, todos sabem, são os preços mais baixos em áreas de livre comércio, mas o tratamento médico resulta de um fenômeno específico: médicos brasileiros raramente querem se embrenhar pela Amazônia.
  Se recusam a isso mesmo com os fortes incentivos e grandes salários. Tem seus argumentos: as cidades grandes oferecem mais “confortos”, mesmo que às vezes tenham que trabalhar como alucinados e pouco possam desfrutar dos tais atrativos urbanos. Os médicos bolivianos, pelo contrário, procuram as regiões de fronteira porque o público brasileiro, ainda que pobre, tem melhor renda que o boliviano. Muitas prefeituras da região contratam médicos bolivianos (às vezes extra-oficialmente), mesmo sem terem seus diplomas revalidados no Brasil, pois é a única forma que encontram para oferecer algum atendimento de saúde à população. Há até uma discussão no Congresso para facilitar os tramites e a instalação desses profissionais.
Saímos de Três Fronteiras por volta das 14:30hs e pouco mais meia hora depois chegamos à balsa do Rio Machadinho (é o mesmo Machado), depois de passarmos por um lugarejo ainda menor chamado Pé de Galinha.

Mais umas dezenas de quilômetros de terra e estávamos chegando a Machadinho, quando começou um trecho de asfalto e aumentamos a velocidade. Imediatamente eu percebi que a XT perdera completamente a força. Sempre que eu acelerava até o fundo o giro demorava a subir. Depois o giro ficou mais ágil, mas não ganhava velocidade. A primeira hipótese foi de que a embreagem tinha “ido pro pau”. A força da auto-sugestão é tão grande que até cheiro de disco queimado eu passei a sentir. Também pensei na hipótese de que o filtro de ar estivesse sujo. Parei e, em meio ao nervosismo e descuido, fiz uma verificação apressada. Achei que o filro não estava sujo o suficente.

Nossa intenção era seguir para Ariquemes por estrada de terra, mas a situação de minha viatura, já ao cair da tarde, recomendou que fossemos por um caminho mais longo, porém asfaltado, passando por Vale do Anari e Theobroma. No caminho chamou nossa atenção uma igrejinha dedicada a Nossa Senhora de Guadalupe, uma devoção quase onipresente no México e demais países latino-americanos e raríssima no Brasil. 

 Um belo por do sol nos acompanhou no findar deste domingo. Nossos caronistas iriam ficar em Machadinho, mas em razão de nossa decisão, decidiram seguir conosco até o entroncamento da BR 364  e dali buscar seu destino rumo ao sul. O nosso era no sentido inverso. Chegamos a Ariquemes às 19:30hs, tendo rodado mais de 500 km. Hotel, cervejinha e cama!